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Pesquisadores veem negacionismo como parte de projeto autoritário e ameaça à vida

As raízes e os perigos do negacionismo, assim como formas de enfrentá-lo, foram tema da primeira mesa de debates do ciclo “Ciência pra quê?”, que a Editora UFPR promove esta semana paralelamente ao Feirão de Livros. Com diferentes abordagens, os participantes concordaram que o negacionismo não é um fenômeno recente, nem exclusivo do Brasil, que ele frequentemente integra projetos políticos autoritários e que é preciso ampliar o investimento em divulgação e popularização da ciência, sem a qual não há progresso nem desenvolvimento.

A mesa de abertura, na noite de terça-feira (13), teve a participação do reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca; do pró-reitor de Extensão e Cultura da UFPR, Rodrigo Arantes Reis, e do diretor-presidente da Fundação Editora da Unesp, Jézio Hernani Bomfim Gutierre.

Ao abrir o debate, o professor Ricardo Marcelo disse que para entender o negacionismo é necessário “cavar um pouco mais fundo na história”. “Isso não começou com a pandemia. É um processo que tem raízes e que assumiu uma dimensão maior porque foi embalado pelas novas formas de comunicação. A onipresença de vozes sem a presença concomitante de filtros qualitativos adequados faz com que a informação entre no que chamamos de ‘era da pós-verdade’, e que tem interferido inclusive na política”, afirmou.

O professor Rodrigo Reis, que se dedica à divulgação científica, destacou um estudo em que o pesquisador da USP Renan Leonel analisa a desinformação e o negacionismo no contexto da pandemia em três países: Estados Unidos, Brasil e Reino Unido. “Ele aponta que os três países tiveram o negacionismo científico como política de Estado, intencional, expressa em movimentos contra o isolamento social e o uso de máscaras, além da questão antivacina, mais forte no Brasil”.

No Reino Unido e nos EUA, o discurso e a resposta da sociedade à pandemia mudaram a partir de momentos específicos: no primeiro, quando o primeiro-ministro Boris Johnson contraiu o coronavírus e foi atendido no sistema público de saúde; nos EUA, a partir da eleição de Joe Biden. No Brasil, ao contrário, o discurso negacionista oficial permanece e repercute fortemente na sociedade.

“O autoritarismo político sempre encarou a ciência com a máxima suspeição. Se não por outro motivo, porque o reino da razão é muito mais inóspito para ditadores do que o livre exercício da lei das selvas”, disse o professor Jézio Gutierre, docente de Filosofia na Unesp e pesquisador da Epistemologia.

Gutierre fez um breve histórico das raízes dos conceitos de ciência e razão, apresentando os principais marcos e expoentes do pensamento dogmático e do pensamento racionalista. Na ciência, afirmou, não há mistérios: “Ela decorre da contribuição de membros da comunidade científica e é conduzida conforme as críticas de toda essa comunidade. E se tem como base a comunicação e crítica interpares, é fundamental para seu aperfeiçoamento que essa comunicação seja viabilizada e que sejam dadas as condições materiais para isso”.

Ciência pra quê?

Respondendo à questão central do ciclo de debates ­– Ciência pra quê? – Gutierre afirmou: “A resposta pronta é: para que continue oferecendo os frutos que promovem o nosso avanço cognitivo e o aperfeiçoamento das tecnologias. Não existe progresso fora da ciência. Ela fornece os elementos que, bem administrados, melhoram as condições da vida humana”.

Para Gutierre, é preciso entender “o que está em jogo” no contexto do negacionismo atual. “Se fosse pontual, não seria tão grave. Afinal, a ciência, como todo empreendimento humano, é falível. Mas não se nega apenas o aquecimento global ou a ineficácia da cloroquina. O que está em cheque é o próprio método científico. Está se desautorizando o próprio fazer científico, o edifício crítico da ciência. E é por isso que universidades, docentes e pesquisadores têm sido estigmatizados, quando não hostilizados”.

O professor Ricardo Marcelo afirmou que o negacionismo assume proporções ainda mais destrutivas em tempos como o atual, marcado pela tragédia da pandemia. “Negar ciência hoje é militar a favor da morte. A gente tem visto isso no Brasil de maneira dramática”, disse. “Dizemos reiteradamente que a universidade e a ciência são fundamentais para a soberania nacional e o desenvolvimento econômico. Agora a gente tem que ser mais eloquente: sem ciência e tecnologia, a gente tem descompromisso com a vida. Ciência é vida.”

Para Ricardo Marcelo, o papel da ciência será extremamente relevante também no pós-pandemia.  “Os efeitos econômicos e sociais serão traumáticos, muito semelhantes aos do pós-guerra. Todo mundo vai conhecer alguém que não voltou do front, todo mundo tem um conhecido que já caiu na batalha contra o vírus. Há também implicações na sociabilidade; a pandemia evidencia a falta de empatia, de civilidade, de sensibilidade. E a ciência é um dos principais antídotos contra a barbárie. Não se trata apenas do cientista que faz a vacina, mas daquele que nos reconcilia a gente com a sociedade, com a gente mesmo, com a civilização”.

Popularização da ciência

De acordo com o professor Rodrigo Reis, a reação a movimentos negacionistas passa necessariamente pela ampliação da cultura científica. “Pesquisas na área de percepção publica na ciência mostram que o brasileiro tem grande interesse pela ciência. O problema é que temos pouca ação política para atender a esse interesse”, afirmou.

Segundo Reis, desde 2013 o Brasil teve uma redução muito significativa no volume de recursos para divulgação científica: “Passamos de dezenas de milhões de reais, distribuídos por vários editais, para um único edital, o da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia”.

Porém, o esforço empenhado em políticas de divulgação científica nos 10 anos anteriores a essa queda produziu um corpo de profissionais da área, que hoje desenvolvem iniciativas de forma descentralizada, em diferentes universidades e institutos de pesquisa.

Na UFPR, disse Reis, um objetivo para os próximos anos é articular as ações de divulgação e popularização da ciência que já existem, criando políticas institucionais para fortalecer papel da universidade no combate ao negacionismo e na valorização da ciência.

Por Lorena Aubrift Klenk

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