Por Francisco R. S. Innocêncio
Se há um fenômeno que a pandemia de covid-19 evidenciou de maneira trágica é o fato de que as medidas necessárias para se enfrentar com eficiência uma calamidade sanitária dessa dimensão, ainda que bem conhecidas pela ciência e pelos serviços de saúde pública por já terem sido postas à prova com bons resultados anteriormente, podem ser fortemente impactadas pela produção e disseminação sistemática de desinformação. Isso é bem demonstrado pelos números da evolução da pandemia no mundo: os países cujas populações foram afetadas de maneira mais drástica pela doença ao longo do ano de 2020 foram justamente aqueles em que o negacionismo da ciência ganhou terreno na opinião pública, em grande parte por ter sido promovido por grupos políticos e adotado como postura oficial de seus respectivos governos. Nesses países, a população foi ou vem sendo desestimulada a aderir às medidas recomendadas pelos órgãos de saúde pública, seja pela ausência de campanhas governamentais de conscientização, seja pela defesa oficial de terapias e medicamentos cuja eficiência é refutada pela ciência.
É o caso, por exemplo, dos EUA, do Reino Unido e do Brasil, três dos países mais afetados pela covid-19, cujos governos defenderam posições anticientíficas desde o início da pandemia. Por outro lado, é igualmente notável que, enquanto nos dois primeiros há uma forte diminuição dos casos (sobretudo os fatais) quando seus governos abandonam as políticas negacionistas e passam a adotar medidas sanitárias de eficácia já comprovada, o Brasil, cujos governantes repetidamente se posicionam contra medidas profiláticas prescritas pela ciência (como o uso de máscaras, a vacinação e, sobretudo, o distanciamento social), tornou-se rapidamente epicentro da pandemia no mundo e um dos países com maior número de mortes. Como afirmou o reitor da UFPR, Ricardo Marcelo Fonseca, durante a primeira mesa de debates do ciclo “Ciência pra quê?”, “Negar a ciência hoje é militar em favor da morte”.
No entanto, se isso é uma verdade, a consequência lógica da afirmação de Fonseca não é menos verdadeira: “Militar em favor da ciência é militar em favor da vida.”
Existem muitas formas de empreender essa militância pela vida. Uma das mais eficientes (e, acreditamos, urgentes) entre elas é combater a cultura da desinformação, que é o combustível do negacionismo, por meio da disseminação da informação e da popularização do conhecimento científico. Segundo o pesquisador Renan Leonel, da Faculdade de Medicina da USP, que vem pesquisando justamente o processo de institucionalização do negacionismo e de produção de ignorância (em contraposição à produção de saber), “o Brasil foi o mais impactado pela produção sistemática de
desinformação por ter uma educação para a ciência bem menos consolidada que a britânica e norte-americana, além de uma população com menos anos de estudo em média”. Em entrevista concedida ao jornal Correio Popular, de Campinas, em setembro de 2020, Leonel acrescenta que “os instrumentos de comunicação científica, que são necessários para contrabalancear a produção de ignorância e fazer a informação chegar até as pessoas, são mais frágeis no país”.
Diante desse quadro, as universidades brasileiras, que são sem sombra de dúvida as principais instituições produtoras de conhecimento científico em nosso país, precisam assumir o papel de protagonistas nesse embate contra o obscurantismo negacionista por meio da popularização da ciência. Até porque, conforme declarou recentemente ao Jornal da USP o médico Márcio Bittencourt, cardiologista da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, “produzir conhecimento não é só publicar artigos científicos, é também traduzir esse conhecimento para a população”. Uma afirmação que é reforçada, por exemplo, pela bióloga Natalia Pasternak, presidenta e fundadora do Instituto Questão de Ciência, para quem “a comunicação pública da ciência precisa ser valorizada como um objetivo das universidades, tanto quanto o ensino e a pesquisa”.
Foi esse propósito, o de promover a comunicação mais ativa entre a universidade e a comunidade, sobretudo nestes tempos de crise, que a Editora UFPR teve em vista ao propor o colóquio “Ciência pra quê?”, cuja mesa de encerramento ocorrerá nesta quinta-feira, às 19h, com o tema “A Ciência pela vida: uma corrida contra o tempo”. Esperamos que, com esse breve ciclo de debates, tenhamos contribuído para que a universidade venha a se tornar, além de instituição produtora de ciência e saber, também um polo irradiador de informação e conhecimento para a população.